O seu sucesso nos Estados Unidos levou a que fosse considerado um dos melhores pilotos que nunca competiu na Fórmula 1. Mas Gil de Ferran esteve à porta do ‘Grande Circo’, tendo completado testes em Silverstone e no Estoril.
O brasileiro perdeu esta sexta-feira a vida aos 56 anos quando participava num evento realizado numa pista da Flórida.
Depois de ter desempenhado a função de diretor desportivo da McLaren entre 2018 e 2021, de Ferran regressou este ano à equipa para exercer o papel de consultor.
Durante a sua carreira como piloto, de Ferran alcançou dois títulos no campeonato CART, agora conhecido por IndyCar Series, e conquistou a vitória nas 500 Milhas de Indianápolis em 2003.
Antes disso, na sequência da sua prestação dominadora no campeonato britânico de Fórmula 3 em 1992, esteve no radar de várias equipas de Fórmula 1 e completou duas sessões de testes: primeiro com o Williams FW14B de Nigel Mansell em Silverstone e depois com o Footwork FA14 no Autódromo do Estoril.
“Ganhei sete rondas e acabei com quase o dobro dos pontos do segundo classificado”, disse de Ferran numa entrevista à Motorsport Magazine. “Isso deu-me um teste na Williams. Estava marcado para o dia do meu 25º aniversário.”
“Chegou o dia e eu estava muito entusiasmado. Estava a chover e o Alain Prost estava lá a testar o novo carro de 1993. Eu ia conduzir o carro de 1992 do Nigel Mansell. Estava no céu, mas era muito difícil sentar-me nele. O Nigel é largo, mas não tão alto como eu. Não tinha espaço para os cotovelos.”
“Saí para a pista e os meus cotovelos ficaram presos no cockpit. Dei uma volta lenta e consegui imaginar o pessoal nas boxes a revirar os olhos. Disse-lhes: ‘Vou ter de cancelar o teste. Não posso conduzir assim. Pensem o que quiserem, mas não quero fazer figura de idiota e bater com o vosso carro.’ Eles cortaram o assento de carbono, alteraram os pedais e disseram-me que tinha 15 voltas.”
“Nas cinco primeiras voltas, estava a cerca de três segundos dos tempos do Prost. Nas cinco seguintes, estava a cerca de 1,5 segundos. Nas últimas cinco, estava alguns décimos atrás dele. Não significa muito, as condições estavam sempre a mudar e o Alain estava apenas a fazer o shakedown ao carro novo, portanto certamente que não estava no limite.”
“Mas eu fiquei bastante satisfeito. Depois disso, falei com a equipa sobre tornar-me um piloto de testes, mas eles escolheram o David Coulthard, que já tinha feito uma temporada na Fórmula 3000.”
De Ferran revelou ter estado em contacto com várias equipas do pelotão antes do seu teste com a Footwoork no Autódromo do Estoril, que viria a terminar de forma prematura e bizarra.
“Tive conversações com muitas equipas, mas nunca deram em nada”, acrescentou. “Talvez em fosse demasiado ingénuo, talvez eles achassem que eu não era suficientemente bom. Mas nunca consegui obter uma resposta direta, nem mesmo quando perguntei quanto patrocínio tinha de trazer. Hoje em dia, suponho que tudo isso é feito pelos managers.”
“De qualquer forma, a Footwook ofereceu-me um teste no Estoril. Voltei a não caber no carro. Após 20 voltas, estava a sentir-me muito apertado e entrei nas boxes.”
“Enquanto tentavam arranjar mais espaço para mim, fui para trás das boxes para ir à casa de banho. Estava a passar entre dois camiões, a olhar para baixo e a pensar: ‘Isto não está a correr muito bem’. Bati com a cabeça numa porta de um armário na lateral de um dos camiões, rachei a cabeça, sangue por todo o lado, fim do jogo.”
Para além das vitórias que obteve ao longo da sua carreira, de Ferran estabeleceu um recorde que ainda hoje perdura: completou uma volta a uma velocidade média superior a 388 km/h durante uma sessão de qualificação na oval de Fontana.
“O campeonato CART era incrível nessa altura”, explicou. “Os motores, V8 turbos de 2.65 litros, vinham de quatro fabricantes: Honda, Mercedes, Toyota e Ford.”
“A Penske era a equipa número um da Honda e eles estavam a fazer tudo o que podiam. Tínhamos 950 cavalos de potência durante todo o ano e, para as corridas nas ovais superspeedway, otimizávamos os motores com uma faixa de rotações mais alta para obter ainda mais.”
“Quando rodas sozinho na oval de duas milhas em Fontana, não levantas o pé. Para a última ronda, a Honda apresentou um motor de qualificação com bem mais de 1000 cavalos de potência e uma vida útil de provavelmente 50 milhas. Era uma granada.”
“As pessoas habituadas às corridas convencionais pensam que as ovais são apenas uma questão de estar ali sentado e rodar sempre a fundo. É muito mais complexo do que isso. Por exemplo, os carros têm caixas de seis velocidades. A primeira, a segunda e a terceira são para acelerar a partir das boxes e dos reinícios, mas as outras três são todas velocidades de topo. A sexta é a velocidade de tração, a quinta é a velocidade de avanço e a quarta é a velocidade de tráfego.”
“A IndyCar é diferente da Fórmula 1 em quase todos os aspetos, mas penso que uma das razões pelas quais o Adrian Newey é uma força tão brilhante na Fórmula 1 é porque ele passou algum tempo na IndyCar e deve ter tirado algumas lições desse ambiente – certamente lições de aerodinâmica”.