Tiago Monteiro, o único piloto português com um pódio alcançado na Fórmula 1, deu uma extensa e muito interessante entrevista à revista norte-americana Racer onde abordou a polémica e inesquecível corrida de Indianápolis, “uma das mais desafiantes” da sua carreira. O clima nos bastidores, a tensão sentida ao longo das intermináveis 73 voltas e a inevitável satisfação que não conseguiu esconder durante a cerimónia do pódio são alguns dos temas descritos na primeira pessoa, 15 anos depois.
Recorde-se que entre 2001 e 2006 a Fórmula 1 atravessou um período marcado pela guerra de pneus entre a Michelin e a Bridgestone – que atingiu proporções ainda maiores durante o Grande Prémio dos Estados Unidos de 2005, quando a fabricante francesa, que até dominou essa temporada, subestimou a desafiante inclinação do traçado de Indianápolis e causou uma sucessão de incidentes na Curva 13 do circuito norte-americano.
Num ano em que as trocas de pneus não eram permitidas, a Michelin admitiu que não conseguiria garantir a segurança dos seus 14 pilotos durante a totalidade da corrida, razão pela qual propôs soluções como a adição de uma chicane – algo que não foi bem aceite pela Bridgestone, que não queria ser prejudicada pelo erro da sua rival.
“Estávamos com muitas dificuldades ao longo do ano”, recordou Monteiro. “E também tivemos os nossos problemas com os pneus noutras pistas. Tivemos problemas com os Bridgestones em Monza e mal conseguimos terminar a corrida.”
“Nós próprios passamos por muitos problemas e tentamos sempre terminar e dar espetáculo. Não podíamos aceitar que o facto de a Michelin ter chegado a Indianápolis com um pneu perigoso fizesse com que a competição parasse. Isso não era aceitável para nós.”
Embora as equipas equipadas com pneus Michelin tivessem mostrado o seu descontentamento durante todo o fim de semana, os planos em relação a um eventual protesto não foram comunicados para o exterior, pelo que a incerteza reinou até ao último minuto entre os adversários e os fãs.
“Quando fomos para a grelha, e mesmo durante a pré-grelha, tudo parecia normal, por isso ninguém sabia ao certo o que eles iam fazer”, afirmou. “O Colin Kolles [diretor de equipa] estava a dizer-nos que não acreditava que eles fizessem uma corrida normal: poderiam parar mais vezes do que o habitual, passar pela via das boxes, diminuir a velocidade naquela curva… Mas alguma coisa iria acontecer, por isso havia uma real possibilidade de pontos.”
“Não tínhamos pensado nisso, porque não fazíamos ideia de que eles iriam parar. Eles nunca nos disseram. Houve talvez 30 reuniões naquele fim de semana e surgiram muitas propostas que as equipas da Bridgestone não aceitaram, por isso eles decidiram parar de comunicar connosco.”
“Quando eles chegaram todos à grelha, tínhamos a certeza de que todos iriam pelo menos começar e depois fazer algo durante a corrida. O Colin disse-nos: ‘Há pontos disponíveis este fim de semana, por isso não estraguem tudo – precisamos dos pontos e do dinheiro’.”
“É claro que isso trouxe muita pressão. Fizemos a volta de aquecimento com eles, mas assim que os carros começaram a entrar nas boxes, ouvi o meu engenheiro pelo rádio: ‘Este carro está a entrar nas boxes. Este também. Este também. Estão todos a entrar! Mantém-te na tua posição! Não entres nas boxes! Não te movas na grelha!”
“E foi isso que fizemos. Os Ferraris estavam perto da frente e nós deixamos o espaço e partimos de trás. Até então, não tinha percebido que havia uma possibilidade de pódio.”
A diferença de desempenho entre os pneus da Michelin e da Bridgestone foi evidente ao longo do ano – e a qualificação de Indianápolis reforçou essa ideia. Schumacher, o melhor dos Bridgestone, não foi além do quinto tempo depois de ter perdido mais de sete décimos para o Toyota de Trulli, enquanto Barrichello estava dois lugares atrás, com o Renault de Fernando Alonso a separar os dois Ferraris. Em 17º, Monteiro era o ‘melhor dos outros’ para a Bridgestone, diante dos Minardis de Christijan Albers e Patrick Friesacher e do outro Jordan de Narain Karthikeyan.
“Os meus adversários diretos estavam lá, porque tínhamos estado durante todo o ano a lutar com os Minardis”, acrescentou. “Esta era a corrida em que precisávamos de terminar à frente deles.”
“Queria fazer um bom arranque e distanciar-me, não queria estar sob pressão. Já tínhamos passado por muitos problemas mecânicos e não havia garantia de que terminaríamos a corrida.”
“Por isso, durante três quartos da corrida, ataquei ao máximo. Pensei que, independentemente do que acontecesse, precisava de distanciar-me dos outros e atacar. Consegui criar uma distância e o meu engenheiro disse-me que tinha 20 segundos e que podia rodar um segundo mais lento por volta. Mas eu respondi ‘não, não quero perder a concentração’ e continuei a atacar.”
“E depois, no último quarto da corrida, começamos a ter problemas de temperatura na caixa de velocidades. Eles disseram-me que precisava mesmo de abrandar e foi isso que fiz. Esse foi o primeiro momento em que percebi que estava em terceiro lugar na corrida. Tinha uma grande vantagem, talvez de 30 segundos, mas ainda faltavam 15 ou 20 voltas para o final e muitas coisas ainda podiam acontecer. E conseguia ouvir tantos barulhos! A tua mente começa a enganar-te e de repente a caixa de velocidades parecia estranha, os travões pareciam estranhos, o motor parecia estranho…”
“Com 10 voltas para o fim, foi um pesadelo, porque tivemos um alarme. Eu não queria acreditar. Já estava preocupado com a possibilidade de ser criticado por atacar demasiado e agora acontecia isto.”
“Foi uma das corridas mentalmente mais desafiantes que já fiz. Estive praticamente sozinho, mas ataquei muito. Estava a fazer voltas de qualificação a cada volta porque não queria estar sob pressão no final. E com todos os pequenos problemas a começarem a aparecer… foi bastante stressante.”
Essa preocupação viria a terminar à 72ª volta, quando Schumacher e Barrichello cruzaram a linha de meta e conquistaram a dobradinha mais fácil da história da Ferrari. Monteiro manteve a mente e o carro intactos e alcançou um valiosíssimo terceiro lugar para a sua equipa.
O resultado do português representou o 19º e último pódio da Jordan na Fórmula 1, enquanto os pilotos da Minardi alcançaram os últimos pontos do trajeto da equipa. Curiosamente, ambas as equipas não viriam a marcar presença na grelha no ano seguinte, sendo substituídas pela Midland e pela Toro Rosso.
“Quando regressei, estavam todos a celebrar como loucos, porque havia um bónus para todos”, disse Monteiro. “Em primeiro lugar, havia a alegria de somar pontos, mas depois havia o aspeto financeiro – a equipa obteria enormes benefícios no final da temporada.”
“Mas também foi o primeiro pódio da equipa em dois ou três anos, por isso foi muito gratificante na sequência do trabalho árduo que todos estavam a fazer.”
“Depois da corrida, eles colocam-te numa sala e dão-te uma água enquanto esperas pelo pódio. Foi aí que os colaboradores da FIA nos disseram que havia muitos fãs insatisfeitos e que não podíamos exagerar nos festejos. Mas depois olhei para baixo e vi 30, 40, 50 mecânicos da Jordan vestidos de amarelo a chorar e a aplaudir. Não podia deixar de desfrutar desse momento com eles, portanto celebrei como se fosse um pódio normal.”
“Infelizmente não pude comemorar verdadeiramente com eles, já que, por algum motivo, tinha um vôo reservado para aquela noite. Normalmente só voava na segunda-feira, mas nesse fim de semana tinha um vôo na mesma noite, por isso celebrei no avião com o Jenson Button e o Mark Webber.”
Depois de regressar aos pontos nesse mesmo ano com um oitavo lugar em Spa-Francorchamps, Monteiro fez parte do projeto da Midland em 2006 e acabaria por abandonar a Fórmula 1 para ingressar nos turismos, onde já conta com 12 vitórias. No entanto, o terceiro lugar de Indianápolis continua a ser um inevitável motivo de conversa.
“Poderia ter corrido de muitas outras maneiras”, rematou. “Mas, no final, não tenho dúvidas de que esse resultado me ajudou ao longo da minha carreira.”
“Até hoje, pessoas de todo o mundo abordam-me sobre isso. Todos os anos, no aniversário da corrida, recebo centenas de mensagens, fotos e vídeos, porque sou o único piloto português que já subiu ao pódio da Fórmula 1. Para melhor ou para pior, ficará para sempre na história da Fórmula 1.”
O artigo escrito pela Racer pode ser lido na íntegra aqui.